Entre vós não será assim

por Anselmo Lima — 07/11/2025

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Lc 22:27-28: "Pois qual é maior, quem está à mesa, ou quem serve? Porventura não é quem está à mesa? Eu, porém, estou entre vós como quem serve. Mas vós sois os que tendes permanecido comigo nas minhas provações;"

A riqueza desta passagem é realmente extraordinária. Tão necessária para a compreensão em nossos dias quanto foi para os ouvidos daqueles discípulos. Podemos perceber claramente o princípio da humildade e o coração do Senhor em servir, ensinando de forma tácita aos seus discípulos a fazerem o mesmo. Ele, sendo aquele que estava à mesa. O único verdadeiramente digno de ser servido, se coloca como quem serve, abrindo mão de seu direito para ser o maior exemplo da humildade. 

Exercendo o papel de genuíno mestre. Sem hipocrisia, imposição ou falsidade, mas da forma mais didática possível: pelo exercício da prática e da observação. Foi justamente o que ele ensinou anteriormente, ao dizer: 

Mt 20:27-28: "e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será vosso servo; assim como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos."

Jesus conhecia a inclinação humana de seus discípulos, marcada pela mentalidade comum de buscar ser o melhor, o primeiro, de ser reconhecido como destaque e até como um prodígio.

Nos tempos de Jesus, o sistema de ensino rabínico baseava-se em uma relação pessoal entre mestre e discípulo. O discípulo não apenas aprendia palavras, mas buscava imitar a vida, os costumes e o caráter do mestre. O objetivo final era tornar-se como o mestre, ou até como possível sucessor. Nesse contexto, é possível perceber que havia diferentes níveis de prestígio entre os discípulos. Alguns eram mais próximos e confiáveis, outros se destacavam por sua capacidade de interpretar a Torá, e havia ainda aqueles que se tornavam futuros mestres reconhecidos, perpetuando o ensinamento de seu rabi.

A cultura judaica do período valorizava muito a honra pública e o status religioso. Os fariseus, por exemplo, gostavam de “...os primeiros lugares nas sinagogas e as saudações nas praças, e de serem chamados ‘Rabi’ pelos homens.” Mateus 23:6-7."

Havia, portanto, uma busca natural por reconhecimento, especialmente entre aqueles que almejavam tornar-se mestres ou líderes espirituais. O problema não estava no reconhecimento em si, mas na motivação que o impulsionava. Porém, essa nunca foi a proposta do Senhor Jesus. Na verdade, parece que Ele caminhava na contramão do modelo tradicional de ensino dos mestres. Há situações em que a narrativa confronta os ensinamentos de Jesus com a conduta de seus discípulos, colocando ambos em xeque.

Seus discípulos não lavavam as mãos de forma cerimonial, não jejuavam, não guardavam literalmente o sábado, não permaneciam em um lugar fixo e, talvez o mais significativo de tudo, não escolhiam o mestre. Foi Jesus quem os escolheu!

Chegamos aqui a um ponto-chave. Ao afirmar isso, avançamos para o versículo 28: "Mas vós sois os que tendes permanecido comigo nas minhas provações." Essa declaração de Jesus lança luz sobre o aspecto dos seus amigos mais próximos, os doze, aqueles que Ele de fato chamou para o apostolado.

Ao dizer: "Mas vós sois os que tendes permanecido comigo", Jesus nos transmite, de forma implícita, a ideia de que outros, ou melhor, muitos outros, não permaneceram com Ele, pelo menos não de maneira tão próxima.

"Joao 6:66 À vista disso, muitos dos seus discípulos o abandonaram e já não andavam com ele."

Somente aqueles que permanecem caminhando com o Senhor, mesmo após enfrentarem altos e baixos, mesmo depois de traí-lo, abandoná-lo ou até se escandalizarem, são os que, com o tempo, alcançam o amadurecimento real. Esse crescimento não vem da perfeição, mas da persistência em voltar, aprender, se arrepender e continuar seguindo, mesmo quando tudo parece contrário.

Para alguns, a maior dificuldade está em lavar os pés de outros, pois isso exige humildade, disposição para servir e renúncia ao orgulho. Para outros, o desafio está em se deixar lavar, em aceitar ser cuidado, em se permitir ser vulnerável diante de outro irmão. Há quem sinta um desconforto profundo ao se sujeitar a alguém, como se isso ferisse sua autonomia ou identidade. E há também aqueles que, ao se verem sob autoridade de outro, carregam esse lugar como um encargo sofrido, uma experiência que exige quebrantamento e confiança na condução de Deus.

Essas coisas ficam claras quando Jesus sinaliza a Pedro que Satanás pediu para peneirar não apenas ele, mas a todos. No entanto, Jesus destaca que intercedeu especificamente por Pedro, dizendo: "Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça." Isso é ainda mais impactante quando lembramos que Pedro negaria Jesus três vezes, mesmo após prometer fidelidade. E, mesmo assim, Jesus não o rejeita. Pelo contrário, Ele afirma: "E tu, quando te converteres, fortalece teus irmãos." Essa fala revela não apenas a queda de Pedro, mas também a esperança de restauração e o chamado para liderar com humildade e graça. Pedro, mesmo negando, foi colocado para ser um instrumento de fortalecimento entre os demais.

Obviamente, não como o maior, o melhor, o mais brilhante ou o mais perfeito, mas como aquele que caiu, se arrependeu e foi levantado. Alguém que, de fato, se converteu e, por isso, está apto a servir aos outros e a Cristo. Sua autoridade não nasce da superioridade, mas da experiência da graça, da restauração e do compromisso renovado com o Senhor. Com esse exemplo, Pedro se tornou uma referência para muitos outros. Inclusive para mim e para você. Sua trajetória revela que não é a ausência de falhas que define um discípulo, mas a disposição de se arrepender, ser restaurado e seguir servindo com humildade.

Que o Senhor nos conduza pelo caminho da verdadeira humildade, aquela que agrada ao Pai, porque nasce do próprio coração dEle. Não é fruto de esforço humano, mas expressão da natureza divina em nós, moldada pela graça e pelo Espírito.