Cinco pães e dois peixinhos

por Anselmo Lima — 12/11/2025

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Jo 6:5-7: "Então Jesus, levantando os olhos, e vendo que uma grande multidão vinha ter com ele, disse a Felipe: Onde compraremos pães, para estes comerem? Mas dizia isto para o experimentar; pois ele bem sabia o que estava para fazer. Respondeu-lhe Felipe: Duzentos denários de pão não lhes bastam, para que cada um receba um pouco."

Entre os milagres registrados, este talvez seja o mais frequentemente pregado, pois carrega um simbolismo tão rico que, a cada ministração, sempre haverá algo novo a ser revelado pelo Espírito. O relato não se limita apenas ao versículo 7, mas creio que, por ora, será suficiente avançarmos até o versículo 27.

Primeiramente, precisamos compreender que aquelas multidões não estavam ali por acaso. Elas não foram simplesmente ver Jesus como quem aparece do nada. Na verdade, aquela multidão era fruto do que haviam presenciado: os sinais que Jesus realizara. Como está escrito em João 6:2 “Seguia-o uma grande multidão, porque viram os sinais que fizera sobre os enfermos.”

Dito isso, surge agora uma grande demanda a ser suprida: alimentar essa enorme multidão, pela qual Jesus se compadeceu. Eles o seguiam há alguns dias, e como não havia lugar onde se pudesse comprar mantimentos, suprir essa necessidade tornou-se algo extremamente urgente. Entre eles havia pessoas de diversas faixas etárias, idosos, crianças, entre outros. Se Jesus os mandasse embora sem alimentá-los, certamente muitos desfaleceriam no caminho de volta para suas casas.

A pergunta que Jesus faz a Filipe é interessante, pois é legítima. E a resposta, por sua vez, é igualmente coerente, sincera e sensata. É exatamente o que qualquer pessoa ponderada diria. Mesmo alguém de fé não tem como conhecer, de antemão, os planos de Deus. Precisamos nos conscientizar de que, ainda que houvesse disponível duzentos denários, o equivalente a aproximadamente duzentos dias de salário disponíveis no caixa, ou mesmo que fosse possível arrecadar esse valor entre o próprio povo, não haveria onde comprar alimento suficiente. E, mesmo que houvesse onde comprar, devido à quantidade de pessoas presentes, nem todos receberiam uma porção. O texto é claro ao afirmar que, mesmo com esse recurso, alguns não receberiam sequer um pouco.

E então, aparece André com uma informação “nova”: João 6:9 “Está aqui um rapaz que tem cinco pães de cevada e dois peixinhos; mas que é isto para tanta gente?” Sinceramente, eu imagino Filipe ouvindo isso e pensando: “Você só pode estar brincando comigo a essa hora do dia!” Porque, convenhamos, é exatamente isso que qualquer um de nós diria numa situação dessas. Como homem, eu certamente responderia do mesmo jeito: “Cinco pães e dois peixinhos? Para essa multidão toda? Tá de brincadeira, né?”

Pois bem, o que o texto nos mostra é que não havia uma solução humanamente viável. Aos olhos da razão, era impossível resolver aquela situação pelos meios comuns. A saída mais fácil seria dispersar as multidões, permitindo que cada um buscasse suas próprias soluções. Em outras palavras, seria mais simples dizer: “Olhem, nós não pedimos que vocês viessem nos seguindo. Não temos como alimentar todos vocês. Portanto, por gentileza, procurem seus próprios suprimentos e, se quiserem continuar nos acompanhando, estejam mais preparados da próxima vez.” 

No entanto, esse não era o plano de Jesus, conforme a biblia diz: Is 55:8-10: "Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor. Porque, assim como o céu é mais alto do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos. Porque, assim como a chuva e a neve descem dos céus e para lá não tornam, mas regam a terra, e a fazem produzir e brotar, para que dê semente ao semeador, e pão ao que come,"

Então Jesus ordena que os discípulos instruam o povo a se assentar. Essa posição remete à espera, à paciência diante da provisão de Deus. E não por acaso, eles se assentam sobre a grama. Essa imagem nos leva diretamente ao Salmo 23:2-3: “Ele me faz repousar em pastagens verdejantes e me conduz a águas tranquilas; restaura-me o vigor. Guia-me pelas veredas da justiça por amor do seu nome.” A atitude de se assentar é, portanto, um gesto de confiança. É como se o povo dissesse, mesmo sem palavras: “Estamos aqui, olhando para nosso Pastor, esperando o que Ele vai fazer.”

E justamente o que Jesus faz é dar graças pelos cinco pães e distribuí-los. Algumas versões trazem a ideia de que Ele os entregou aos seus discípulos, o que está totalmente de acordo com os relatos de Mateus 14:19, Marcos 6:41 e Lucas 9:16. Porém, neste relato específico, temos a impressão de que é o próprio Jesus quem está distribuindo. Ou seja, o ato é o mesmo, e o fato também é o mesmo. Isso nos conduz à verdade expressa em Mateus 10:40: “Quem vos recebe a mim me recebe; e quem me recebe recebe aquele que me enviou.” 

Assim, seja pelas mãos de Jesus ou pelas mãos dos discípulos, a provisão vem do mesmo lugar: do Pai, por meio do Filho.

Da mesma forma, Jesus faz com os dois peixes ou melhor, os dois peixinhos. E o texto original traz um detalhe curioso: “tanto quanto queriam”. Ou seja, foi praticamente um rodízio celestial de peixe e pão. Doze garçons passando com as bandejas. Esses dois peixinhos carregam um simbolismo profundo. Muito provavelmente eram peixes secos ou conservados em salmoura, porque, convenhamos, se fossem frescos, já teriam estragado no meio daquela caminhada. E sejamos honestos: dois peixes, uma quantidade quase simbólica. Pelo tamanho, eu não arriscaria dizer que eram sardinhas… talvez até duas pititingas! E ah, como eu amo uma pititinga frita, crocante, douradinha, daquele jeito que só quem já comeu sabe.

Esses dois peixes carregam em si a simbologia da provisão humana, aquela que o Senhor nos concede por meio natural, como os recursos disponíveis na criação. São dádivas que, embora venham de Deus, exigem preparo, cuidado e armazenamento para que não se percam. É a provisão que nos ensina a administrar, preservar e reconhecer que até o que parece simples é fruto da graça divina. Verdadeiramente, o foco central que enxergo não está nos peixes, mas claramente no pão. É sobre ele que Jesus quer nos ensinar algo profundo, como começa a dizer em seguida: João 6:12 “E quando estavam fartos, disse aos seus discípulos: Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca.”

Temos aqui duas vertentes a considerar, ou seja, duas linhas de raciocínio que são verdadeiras e se complementam:

  1. Na passagem de João, parece que não sobraram peixes, apenas pão.
  2. Já no relato de Marcos, por exemplo, é mencionado que sobraram tanto pães quanto peixes.

Sabemos que, quando nos deparamos com esse tipo de diferença entre os relatos, que à primeira vista podem parecer contraditórios, trata-se, na verdade, de uma questão de revelação. O foco não está na divergência, mas sim no propósito e na audiência para a qual cada texto foi escrito. Cada evangelho carrega uma ênfase específica, revelando aspectos distintos da mesma verdade, conforme a intenção do Espírito ao inspirar cada autor.

Com base nisso, não é incorreto afirmar que, para João, as sobras dos peixes não tiveram tanta relevância. O texto joanino não menciona a sobra dos peixes, mas também não a exclui de forma objetiva, apenas não a cita. Isso reforça a ideia de que cada evangelista enfatiza aspectos diferentes do mesmo evento, conforme a revelação recebida e o propósito específico de sua escrita. João, ao destacar apenas os pães, parece querer chamar atenção para o simbolismo do pão como provisão espiritual, preparando o terreno para o discurso que virá a seguir sobre o “pão da vida”.

Quero destacar alguns detalhes que tendem a se perder numa leitura rápida, mas que são de extrema importância para que possamos ruminar ao máximo a vida do Senhor. São nuances que, à primeira vista, podem parecer simples, mas carregam revelações preciosas para quem se dispõe a meditar com um pouco mais de atenção. Repare que o texto diz: "E quando estavam fartos" então Jesus manda os discipulos recolherem os pedaços que sobraram para que nada se perdesse.

Bom, pelos relatos dos outros evangelhos, dá pra entender que a hora do almoço já tinha passado faz tempo. Ou seja, depois de ouvir Jesus e testemunhar suas maravilhas, o povo estava com o estômago gritando, e não era de emoção, era de fome mesmo! Imagina milhares de pessoas ali, maravilhadas com os ensinamentos, mas ao mesmo tempo pensando: “Glória a Deus, mas será que vai ter um lanchinho?” Talvez o semblante de alguns já fosse algo impossível de esconder. Havia olhares perplexos diante das maravilhas que viam e ouviam, mas também rostos desfalecidos pela fome. E Jesus, que possuía discernimento espiritual, sabia exatamente da necessidade que se espalhava em larga escala entre aquela multidão. Ele não via apenas rostos; Ele via corações. Não apenas a admiração, mas também a fraqueza. E, como bom pastor, não ignorou nenhum dos dois.

A provisão que Jesus traz não é “meia boca”, é além das expectativas humanas. Do mesmo modo que Ele percebeu a fome, também percebeu a satisfação: “E quando estavam fartos…”Ah, eu peço a Deus que eu nunca me farte do alimento do Senhor. Porque a característica de quem está farto é, simplesmente, rejeitar. E eu não quero rejeitar nada que venha d’Ele. Dá-me mais fome, mais sede, mais dependência de Ti, meu Senhor. Que eu nunca me acomode, nunca me satisfaça ao ponto de parar de buscar. Que o meu coração esteja sempre faminto pela Tua presença.

Uma vez fartos, os "garçons", os doze, cada um com seus cesto acabam de recolher a sobra, e os cestos cheios, rapidamente me levam a pensar:

O pão foi suficiente para todos. Todos ficaram saciados, comeram à vontade, como num verdadeiro rodízio, onde se pode repetir quantas vezes quiser. Nada se perdeu. Os doze cestos recolhidos simbolizam a provisão completa: não apenas para as doze tribos de Israel, mas também para todos os povos. A abundância não era apenas física, mas principalmente espiritual. Assim como José, que é uma figura (ou tipo) de Cristo, foi rejeitado pelos seus irmãos, vendido por prata, humilhado e, por fim, tornou-se salvador, não apenas de Israel, mas também das nações. Da mesma forma, Jesus é o pão que desceu do céu, suficiente para todos, judeus e gentios, sem distinção.

O relato prosegue dizendo que: Jo 6:14: "Vendo, pois, aqueles homens o sinal que Jesus fizera, diziam: este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo." 

Portanto, vamos dar um salto direto para o versículo 26, porque, se não fizermos isso, acabamos entrando em outra demanda de milagre que pretendo me debruçar em outra oportunidade… E olha que milagre é o que não falta por aqui! risos.

Jo 6:26: "Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que me buscais, não porque vistes sinais, mas porque comestes do pão e vos fartastes."

A multidão ainda está “caçando” Jesus por onde quer que Ele vá. Basta uma leitura dos versículos que pulamos para perceber isso. Mas o que chama atenção é a resposta do Senhor, que aponta para a continuidade do que foi realizado na multiplicação. Vejamos que riqueza: “Me buscais, não porque vistes sinais, mas porque comestes do pão e vos fartastes.” Ora, o pão que comeram não foi um sinal? Afinal, no versículo 14 está escrito: “Vendo, pois, aqueles homens o sinal…” Que sinal? A multiplicação dos pães e a sobra dos doze cestos, trata-se de (o) sinal. Mas o que Jesus está dizendo é que eles não vieram por causa disso. Vieram porque o pão que comeram os saciou. E não foi como um pão de qualquer padaria, nem como um simples pão de cevada, que, aliás, é mencionado em Números 5:15 como oferta pelo ciúmes, (também não irei entrar nessa questão, quem lê entenda). Foi uma saciedade que eles jamais haviam experimentado. Era um pão com sabor de eternidade, com peso de revelação, com presença de Deus. E isso, mesmo sem entenderem completamente, os atraiu.

Então o Senhor acrescenta: Jo 6:27: "Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; pois sobre ele, Deus, o Pai, imprimiu seu selo."

É o mesmo que dizer: vocês costumam se desgastar pelo alimento da terra, aquele que precisa ser seco ou colocado no sal para ser preservado. Esse alimento perece, acaba, não sobra, não é suficiente. Mas o pão que Eu lhes dei antes… ah, esse pão alimentou vocês de forma diferente. Vocês receberam apenas um sinal, e mesmo assim ficaram saciados. Eu tenho muito mais do que doze cestos para lhes dar, tenho uma comida que permanece para sempre. Não é necessário sal para preservá-la, porque é essa comida que preserva vocês, e não vocês a ela.

Ah, irmãos, quando somos convencidos pelo Senhor de que é dEle que precisamos, de que é somente por Ele que vivemos, e que nossa dependência dEle é uma necessidade que precisa ser maturada, então Ele mesmo nos dará de Si, para que comamos da sua mesa e nos saciemos nEle. Não será uma saciedade que nos fará rejeitá-Lo, como quem recusa uma simples comida quando está de estômago cheio, mas uma saciedade que nos induz a buscar mais e mais dEle. O Senhor nos alimenta de uma forma tão profunda que não o buscamos apenas por estarmos alimentados, mas por estarmos à mesa com Ele.

A minha oração é que esta meditação alcance em você um sincero despertar para a vida de dependência do Senhor. Uma dependência que não é marcada por sufocos, nem por altos e baixos, nem por aquela ansiedade que nos faz roer os dentes esperando ver o agir de Deus. Mas, sim, por uma confiança tranquila de que é Ele quem trará o necessário para nos alimentar hoje.

Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas.